Por Alex Lima
Um dos desafios mais presentes na vida de um gestor de recursos é qualificar o valor do fluxo de informações que nos deparamos diariamente. Essa habilidade é curada ao longo do tempo e não há garantias de que ela se desenvolva puramente por “quilometragem” apenas – é necessário aprimorar a maneira de pensar. Não é à toa que grandes gestores de recursos são filósofos. Outros se dedicam a estudar processos de tomadas de decisão auxiliados por tecnologia – com o megainvestidor Ray Dalio estando na vanguarda desse movimento.
Quem conhece nosso estilo de comunicação sabe que gosto de referências literárias para fazer paralelos e metáforas. Isaac Newton reconhecia que suas contribuições eram derivadas de seus predecessores quando dizia “If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants” (em português, “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”). Em nosso humilde caso, não poderia ser diferente.
Peter Senge, considerado por muitos como um Guru da Administração (PhD em gestão pelo MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts), propôs um método do pensamento sistêmico para a abordagem de problemas. Em seguida, descreveu-o como a arte de ver a floresta e as árvores em seu livro “A Quinta Disciplina”. A ideia é relativamente simples: muitas vezes é difícil discernir e enxergar soluções sistêmicas para um problema se estivermos muito concentrados nos detalhes individuais – esses seriam as árvores. Diametralmente, pode ser difícil resolver problemas pontuais se ficarmos focados demais no contexto da situação. Diante do complexo cenário político e macroeconômico do Brasil, faz-se necessário ter um modelo de análise para construir cenários e preparar portfólios.
Desmatamento Econômico
Na atual situação no Brasil, não faltam árvores no caminho para nos impedir de enxergar o atual estado da floresta. O tratamento dos precatórios e o flerte com o teto de gastos já de olho na eleição de 2022 foi o suficiente para embutir um prêmio considerável na curva de juros. Apenas no último mês houve um choque paralelo de aproximadamente 100 pontos base. Para se ter uma ideia do prêmio, alguns vencimentos se encontram em níveis piores que o mais baixo patamar durante a pandemia, em março de 2020. A bolsa sofre menos comparativamente com os juros, pois já acumula 10% de queda em seis semanas, dado uma boa temporada de lucros. No caso do câmbio, uma melhor relação de carry trade dado taxas mais atraentes nos juros curtos – já no patamar de 8% – justifica uma relutância em desvalorizar o real mais fortemente.
Enfim, poderíamos discutir amplamente como a fauna e a flora econômica andam ameaçadas no país, mas perderíamos tempo demais, pois o que não faltam são desmatamentos econômicos: tratamento dos precatórios, crise hídrica, inflação rodando a 9% no ano e desemprego a 14%. Mas essas são as árvores no caminho que atualmente dificultam a visualização da floresta. Acreditamos ser necessário olhar a situação com maior distanciamento para entender o movimento macro no país.
A Floresta
Vamos, portanto, buscar enxergar a floresta. O que acontece politicamente quando há essa enxurrada macroeconômica de más notícias ao governo incumbente? Economistas da unidade da Bloomberg Intelligence apontam que o estado da economia define 90% das vezes a direção da eleição para presidente nos Estados Unidos. Obviamente, essa regra também se aplica a alguns outros países com democracias saudáveis e funciona relativamente bem no Brasil. Um indicador simples dessa lógica é o Índice de Miséria: a soma simples do nível de inflação com o nível de desemprego de um país. Portanto, quanto maior o índice, maior o desconforto social da população. A regra prescreve que, caso haja uma piora considerável no indicador, o partido de oposição ganha a eleição. O contrário também funciona: um governo que melhora o Índice de Miséria tem a chance de se reeleger em 90% das vezes.
Índice de Miséria: o maior nível em 10 anos

Fonte: Bloomberg, Lifetime Asset Management
Deliberadamente, esse é um excelente indicador de como a popularidade do atual presidente poderá se traduzir numa vitória ou fracasso eleitoral. No caso corrente, a situação macro joga contra dada a inflação persistente e alto desemprego. Este governo tem o pior resultado do Índice de Miséria da última década com dois desvios padrões negativos, tanto do ponto de vista de piora absoluta quanto piora com relação à média dos últimos 10 anos. Usando o que chamamos de “econometria ocular” (bater o olho), um presidente que piora o índice em mais de um desvio padrão negativo perde o mandato para o partido da oposição. Como exemplos recentes, temos FHC II e Dilma II, apesar de nesta a regra não ter sido aplicada em si dado o impeachment. Essencialmente, um governo que provoca tal bem-estar que não encoste em um desvio negativo parece conseguir se reeleger – FHC I e Lula I. Parece que, de fato, o brasileiro tem uma certa tolerância à má performance econômica, mas não abaixo de um desvio padrão negativo do Índice de Miséria.
Estado da economia como previsor de eleições: 1995 – 2021

Fonte: Bloomberg
Independente do mérito da atual situação econômica que abrange a estagnação secular de reformas, choques nas cadeias produtivas dada a pandemia e gestão sanitária, não é à toa que Jair Bolsonaro (sem partido) aparece com cada vez menos popularidade nas pesquisas eleitorais. Portanto, parece que analisar a microeconomia dos embates entre os Três Poderes não é fundamental em si; entretanto, qualquer evento que resulte no atraso das reformas e/ou uma deterioração do fiscal que acarrete pioras inflacionárias é prejudicial ao capital político do atual governo. Ao imaginar um cenário de estagflação para 2022, a maré macroeconômica sugere uma troca de governo, apesar de ainda estarmos relativamente longe deste horizonte. Embora polarize a população como estratégia de campanha, a questão da mídia do voto (impresso ou eletrônico), em tese, não deveria mudar a magnitude da insatisfação social.
Desarranjo macro = aumento de desigualdade
O desarranjo macro que tem comido o capital político do governo – alta da inflação e desemprego persistente – provoca um nível de juros no país estruturalmente bem mais alto do que começamos no ano. Apesar de juros mais altos serem interessantes para portfólios, a contrapartida é penosa para o país. Veja bem: um CDI mais alto, que deixa a vida do poupador mais confortável, é o subproduto de um empobrecimento (imposto inflacionário sobre a renda) e perda de competitividade. Juros mais altos desestimulam investimentos na economia real (interna e externamente) e encarecem o crédito, cujo spread já é persistentemente alto no país. Sem falar que também gera concentração de renda – a inflação consome a renda das populações menos favorecidas ao passo que uma taxa de juros real gorda beneficia poupadores.

Fonte: Bloomberg
Não é à toa que historicamente, o índice de desigualdade no Brasil (coeficiente Gini) se correlaciona bem com patamares de juros mais altos (embora a função casualidade entre desigualdade e juros altos seja tópico de discussão). Para quem não está familiarizado, o coeficiente Gini mede a concentração de renda de uma população. Um coeficiente de “0” representa distribuição perfeita da renda de um país; um coeficiente de “1” representa que toda a renda do país é destinada para apenas uma pessoa. Com um coeficiente de 53.9, o Brasil tem desigualdade no patamar de Angola, Botswana, África Central, Namíbia, Honduras e África do Sul. Para referência, o coeficiente de Gini dos EUA é de 18.
Vale a pena dizer que essa condição não é responsabilidade integral do governo Bolsonaro, pois é, em grande parte, estrutural. Mas o aumento da inflação e juros reais piora a situação, o que reforça a pressão social sobre o atual governo. Esse tipo de repressão financeira às avessas – o empobrecimento da população via imposto inflacionário, financiando juros reais dos poupadores – raramente é sustentável politicamente em democracias.

Fonte: Bloomberg
Finalmente, portfólios
O desenho da floresta está um pouco mais claro: a menos que a economia decole em 2022, a história sugere que haverá uma troca de governo. Independente do mérito ou do espectro político (direita ou esquerda), já vimos esse filme antes. Haverá volatilidade e os pratos postos à mesa são de torcer o nariz, como inflação alta com baixo crescimento e polarização política. Combinação indigesta para portfólios.
Trazendo esse resultado sistêmico para nós, gestores de patrimônio, resta uma cesta de portfólios não muito linear, como podemos ver abaixo. Mostramos a relação Risco & Retorno de dois portfólios, um local e um dolarizado, além de alternativas de alocação em investimentos locais (Bolsa e Fundos Multimercado) nos últimos 20 anos. A Bolsa fornece uma relação ruim, apenas adicionando risco; a carteira “Kit Brasil” (pesos idênticos para pré, pós, bolsa e inflação no Brasil) se mostra como uma opção Risco & Retorno baixo. Essa discussão é estrutural de Brasil e um pouco atemporal. A volatilidade política do país contribui para ativos de renda variável com mais risco e juros real maior que em outros países.
O resultado do desenho institucional no Brasil é uma percepção de “conforto” dada a taxa de juro real mais gorda. Entretanto, quando colocamos a volatilidade na conta, o resultado é pobre. A conclusão não é muito animadora: no melhor dos casos, um portfólio de renda fixa pode trazer Risco & Retorno baixo. A conclusão é desalentadora, mas bem intuitiva: faz sentido emprestar o capital para o governo, mas os portfólios de Brasil têm pouco Risco & Retorno. É necessário incluir ativos internacionais para ter uma relação que faça sentido. Na curva do gráfico, portfólios acima da linha pontilhada têm relações de Risco & Retorno superiores.
Para ajustar sua carteira nesse sentido, o investidor local precisa migrar para um portfólio dolarizado, como a Carteira EUA – muito similar à brasileira, mas com os ativos americanos correspondentes. Porém, 100% dessa carteira sofrerá muito com a volatilidade da moeda. A solução é uma dosagem externa e interna, dividido em 50/50, onde é possível ficar no meio do caminho entre Risco & Retorno. Dado o cenário que se desenha para 2022, entendemos que faz cada vez mais sentido migrar para diversificações internacionais. Embora o conceito de diversificação seja mais velho que andar para frente, juros reais altos no Brasil sempre ajudam a esquecer essa questão.
Olhando para frente
- Claramente, o imbróglio fiscal e a falta de liderança institucional trouxeram a valor presente as eleições de 2022. A falta de uma terceira via clara tornou difícil os participantes do mercado criarem uma narrativa mais positiva. Como resultado, os ativos sofreram. Não quer dizer que não tenhamos espaço para melhora, mas o cenário de rosas onde as reformas administrativa e tributária são aprovadas com conteúdo está cada vez mais fora do preço, ainda mais com uma falta de cessar fogo entre os Três Poderes.
- A Bolsa é o ativo com uma relação de valuation hoje mais interessante: mais de um desvio padrão abaixo da média histórica de 10 anos. As taxas de juros longos dependem um pouco da trajetória da inflação e do resultado fiscal, ambas variáveis cada vez menos pragmáticas. Algumas empresas com bons modelos sofreram exageradamente nas últimas 6 semanas.
- No caso do câmbio, sua correlação com os juros sugere um patamar de US$5,80; num ambiente de SELIC subindo, o carry trade impede uma desvalorização mais substancial.
- Reconhecer que a Bolsa é prejudicial para o Risco & Retorno não quer dizer que não gostamos de renda variável. Apenas que precisamos pilotá-la mais taticamente. Diversificar geograficamente e tematicamente nos parece mais prudente do que nunca.
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