Crise de confiança: o desajuste fiscal e os impactos sobre a inflação
O noticiário doméstico continua focado na desconfiança dos agentes econômicos em relação à sustentabilidade das contas públicas. Cumprindo o dever de informar os nossos clientes, estamos construindo uma série de conteúdos relacionados à crise de confiança atual e de que forma as variáveis econômicas e os investimentos são afetados. O nosso primeiro post falou sobre o dólar, acesse aqui.
O principal gatilho para a crise atual foi a deterioração mais rápida que o previsto da questão fiscal. É importante destacar que essa apreensão com a dinâmica dos gastos públicos deriva dos próprios dados oficiais do Tesouro Nacional, Banco Central e da Receita Federal. O nível da dívida pública brasileira é alto na comparação com os seus pares da América Latina. De acordo com o FMI, ao final de 2024, a média da dívida líquida deste grupo de países deve chegar a 52% do PIB. No Brasil os números devem ultrapassar os 60% ao final do ano.
Além do tamanho do endividamento, a trajetória de piora também preocupa. A primeira década dos anos 2000 foi marcada por um período importante de ajuste fiscal e queda da dívida governamental. Em seguida, a nova matriz macroeconômica e o viés fiscal expansionista levaram a divida líquida de 30,5% do PIB em 2013 para 46,1% em 2016. Após um breve período de ajuste fiscal e acomodação do endividamento entre 2017 e 2019, a pandemia demandou uma política fiscal anticíclica elevando este patamar para acima dos 60%. Após mais um breve período de ajuste em 2021 e 2022, em 2023 e 2024 a dívida voltou aos patamares recordes vividos durante a crise sanitária. E olhando adiante, as projeções indicam que esse número deve se aproximar dos 75% até o final desta década.
Em agosto de 2023, no início do atual mandato presidencial, o executivo federal propôs e sancionou o chamado “Novo Arcabouço Fiscal”, em substituição ao antigo Teto de Gastos. O conjunto de regras substituiu a previsão de estabilidade das despesas (em termos reais) por uma possibilidade de correção do orçamento acima da inflação, condicionada ao aumento de receita do ano anterior. Além disso, estabeleceu uma meta de resultado primário a ser perseguida pelo governo.
A nova âncora fiscal veio como indicação de moderação em relação às promessas de campanha expansionistas. O limite ao aumento do orçamento e o compromisso com metas de resultado primário não resolveriam de forma definitiva a questão da sustentabilidade das contas públicas, mas trariam alguma previsibilidade em relação a ela.
O ano de 2024 foi o primeiro de vigência das novas regras e a expectativa era de que elas fossem cumpridas. Mas, na prática, não foi isso que aconteceu. Apesar do aumento da receita, resultado da melhora na atividade e do aumento de impostos e contribuições, o governo segue gastando mais do que arrecada. A pesquisa Focus do Banco Central indica que o resultado primário deve terminar o ano próximo de -0,50% do PIB.
A crise atual pode ser, portanto, classificada como uma crise de confiança em relação ao respeito ao novo arcabouço fiscal e à sustentabilidade do orçamento público. Apesar da anormalidade dos mercados não ter se originado nos fundamentos econômicos, as variáveis já começam a ser afetadas. A moeda brasileira se desvalorizou mais de 25% desde o início do ano, e o repasse aos preços finais já começou.
O IPCA, indicador de inflação medido pelo IBGE, já mostra alta importante dos preços de alimentação no domicílio referendado também pelos IGPs, apurados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e que medem além da inflação no varejo, a variação dos preços no atacado.
A expectativa é de que o efeito sobre os preços ganhe ainda mais força nas próximas medições. De acordo com o Centro de Estudo em Finanças da FGV[1] o câmbio pode afetar até um quarto do total de produtos consumidos pelos brasileiros, incluindo o impacto direto sobre os importados e o indireto sobre matéria primas e insumos cotados em dólar.
Além disso, a desincronia entre a política monetária e fiscal pode desembocar no que os economistas chamam de dominância fiscal. A elvação da dívida pública gera desajustes que levam a desancoragem das expectativas e alta da inflação. Ao mesmo tempo, no cumprimento do seu mandato, o Banco Central precisa elevar os juros para assegurar a convergência da variação de preços em direção à meta, a fim de garantir a estabilidade da moeda. Mas há um efeito colateral: a alta da taxa Selic impacta em maior desembolso para pagar os juros da dívida pública. A estimativa é de que uma elevação de 1 p.p. no custo do financiamento gere um gasto adicional de R$ 50 bilhões para o governo federal.
A dominância fiscal acontece, portanto, quando a alta de juros aumenta a dívida pública em magnitude tal que a alta do prêmio de risco e o impacto sobre o dólar compensam o efeito de contenção da aceleração de preços. Há portanto, o efeito oposto ao pretendido. Em outras palavras, a dinâmica fiscal acaba suprimindo os efeitos esperados da política monetária. Ainda que não estejamos nessa situação, a sua proximidade certamente adiciona stress e volatilidade, intensificando os efeitos gerados pela incerteza fiscal.
A saída para a sítuação atual seria responder aos fatores que causam esta crise de confiança que mencionamos no início deste texto. O governo federal precisa honrar as expectativas que ele próprio criou ao apresentar a nova âncora fiscal em 2023. Para isso são necessárias medidas críveis, robustas e bem comunicadas de ajuste nas contas públicas, além de indicação de vontade política para que elas sejam efetivadas.
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[1] https://eaesp.fgv.br/sites/eaesp.fgv.br/files/u784/impacto_do_cambio_no_consumo_do_brasileiro.pdf