Desmistificando a recessão nos EUA
O início de agosto foi marcado por um intenso nervosismo no mercado financeiro. O índice de Volatilidade (VIX), também conhecido como “Índice do Medo” passou de uma média de 14 pontos ao longo de julho para quase 40 pontos no início do mês seguinte.
Um dos gatilhos para esse stress foram os números do mercado de trabalho americano que mostraram aumento do desemprego acima do esperado pelos analistas. O resultado gerou um medo de recessão iminente em território americano que seria resultado da manutenção dos juros em patamar elevado por bastante tempo.
O que é uma recessão?
Muitos analistas entendem que a recessão acontece quando há dois trimestres consecutivos de queda na atividade econômica medida pelo PIB (Produto Interno Bruto). Ainda que seja bastante prática, esta regra de bolso é limitada e não abarca corretamente o conceito.
A definição de uma recessão de fato, é mais ampla[1]: queda significativa na atividade propagada por toda a economia e com impactos visíveis sobre o emprego, além de outros indicadores.
A análise dos Estados Unidos desde o início do século passado traz informações interessantes. Foram 15 episódios recessivos no período, com destaque para a grande depressão de 1929 e para a forte queda de atividade causada pela pandemia de Covid-19. O primeiro caso trouxe um recuo no PIB de 30% em uma recessão longa que durou quase 4 anos. O evento mais recente foi atipicamente curto, mas trouxe uma queda relevante de atividade de 9% no período.
A análise, mensuração e a datação das recessões dependem de uma gama extensa de métricas de atividade e é feita por economistas e instituições renomadas. Nos Estados Unidos ela é feita pelo National Bureau of Economic Research (NBER). No Brasil, esta mensuração é feita pelo CODACE (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) ligado à FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Importante destacar também que essa análise exige tempo. É preciso esperar a apuração e divulgação dos dados pelos institutos oficiais de estatística para em seguida iniciar o período de exames e cruzamento de dados. A título de exemplo, a recessão causada pela Covid começou em fevereiro de 2020, mas foi reconhecido pelo NBER apenas em junho do mesmo ano, ou seja, 4 meses depois.
Por que há tanto medo de uma recessão nos Estados Unidos?
A demora entre o início da recessão e o conhecimento e investigação dos dados econômicos traz um grande inconveniente: pode atrasar a implantação das políticas fiscal e monetária necessárias para mitigar os efeitos da forte queda na atividade. Na tentativa de antecipar as conclusões, os agentes governamentais e os analistas procuram pistas nos chamados indicadores antecedentes que sinalizam tendências futuras, ainda que com menor precisão.
Uma dessas métricas é a chamada Sahm Rule. Ela indica o início de uma recessão quando a taxa de desocupação nos Estados Unidos avança em 0,5 p.p. ou mais em 12 meses. O último dado de emprego, divulgado na sexta-feira anterior ao nervosismo dos mercados ativou essa regra de bolso e motivou temor de recessão que teria sido causada pela manutenção dos juros elevados desde o ano passado. Vale ressaltar, no entanto, que a característica dos indicadores antecedentes é de ser uma indicação e não é uma conclusão inequívoca. Desde 1959, esta regra sinalizou 10 recessões que se concretizaram em 80% dos casos.
E qual a real condição da economia americana?
Apesar de haver outras métricas antecedentes[2] que sinalizam a mesma possibilidade de recessão nos Estados Unidos, dados mais robustos relacionados à atividade indicam que na verdade há uma desaceleração gradual e ordenada da economia. Essa conclusão fica ainda evidente quando olhamos os dados do mercado de trabalho.
A média mensal de abertura de novos postos havia chegado a 604 mil em 2021 por conta da recuperação econômica pós-pandemia. Desde então houve moderação gradual para 203 mil vagas por mês em 2024. As empresas seguem abrindo vagas, ainda que com velocidade menor, o que não é condizente com uma recessão. Além disso, o patamar está próximo da média mensal registrada entre 2015 e 2019 (190 mil vagas por mês), quando o crescimento anual do PIB americano se aproximava de 2,3% na média.
A comparação dos mesmos dados de abertura de novas vagas de trabalho com a evolução nas 10 últimas recessões no país também apontam para esta conclusão. Desde janeiro de 2024 foram abertas 1,4 milhão de vagas. Nem mesmo a recessão mais branda dentre os 10 últimos episódios teve esta evolução.
Como este cenário afeta os preços dos ativos?
A consolidação de um cenário de desaceleração ordenada nos Estados Unidos em substituição ao medo de recessão ajuda a aliviar as tensões de mercado, além de trazer desdobramentos importantes.
- Ativos americanos:
Em primeiro lugar, a atividade mais fraca e a descompressão do mercado de trabalho consolidam o cenário de convergência da inflação em direção à meta e de que normalização dos juros americanos se aproximam. Além disso, a moderação da demanda traz espaço para a realização de lucros na renda variável, em especial após o bull market recente.
- Atividade econômica mundial e preços de commodities:
Os Estados Unidos são a maior economia do mundo e a desaceleração da atividade tem impacto global, com destaque para a economia chinesa. Além disso, o recuo da demanda mundial afeta negativamente os preços dos produtos exportados pelo Brasil, em especial as commodities enviadas para China e EUA (soja, petróleo e minério de ferro).
- Dólar:
Com relação ao dólar, há alguns vetores a serem considerados que devem manter o patamar elevado do câmbio (com piso entre R$/USD 5,35 e 5,40). A queda da demanda por produtos brasileiros e dos preços de commodities poderia levar a uma desvalorização do real brasileiro. No entanto, o recente nervosismo do mercado já fez com que o dólar avançasse mais de 15% no ano, deixando pouco espaço para desvalorização adicional. Por outro lado, a moderação ordenada da atividade estadunidense diminui as incertezas e pesa a favor de alguma acomodação da moeda brasileira. Vale lembrar, no entanto, que há importantes questões internas relacionadas ao futuro da política monetária que limitam a valorização do real. Além disso nosso cenário fiscal atual é mais nebuloso do que nas últimas recessões em 2008 e 2020.
- Juros no Brasil:
Por fim, esse contexto confirma o cenário base de manutenção da Selic no patamar atual, ainda que não se possa descartar a possibilidade de alta de juros caso o cenário piore. O cenário é de boas oportunidades em renda fixa. A proximidade do início do ciclo de queda dos FED funds tira pressão sobre os juros brasileiros, mas deve ser compensado pelas incertezas fiscais e pela manutenção do dólar em patamar elevado com efeito sobre a inflação importada.