Nervosismo nos mercados: uma infeliz coincidência de fatores negativos
Por Marcela Kawauti, economista-chefe da Lifetime Asset
Os últimos dias foram marcados por um intenso nervosismo no mercado financeiro. O índice de Volatilidade VIX, também conhecido como Índice do Medo passou de uma média de 14 pontos em julho para quase 40 pontos neste início de agosto. Na madrugada de domingo para segunda (dias 4 e 5 de agosto), a bolsa japonesa Nikkei fechou com queda de 12,4%, o pior resultado desde a Black Monday em outubro de 1987. O recuo contaminou as bolsas ao redor do mundo, tanto nas economias avançadas quanto no Brasil e foi parcialmente revertido nos dias seguintes.
Uma infeliz coincidência de fatores, que incluem desde desdobramentos geopolíticos a surpresas nos dados macroeconômicos, passando por aumento inesperado de juros, levou a uma intensa reprecificação negativa de ativos no Brasil e no mundo, conforme mostramos a seguir:
- Medo de recessão nos Estados Unidos
Na primeira sexta-feira de agosto, os dados do mercado de trabalho americano mostraram desaceleração da atividade além do esperado pelos analistas. A divulgação mostrou que foram criadas 114 mil vagas de trabalho em julho, cerca de 2/3 do esperado pelos analistas. Além disso, a taxa de desemprego avançou de 4,1% para 4,3% no mesmo período. Ainda que o patamar seja mais confortável que o visto nas últimas recessões, o resultado levou a um temor de um possível “pouso forçado” da economia americana por conta do adiamento do corte de juros pelo FED e manutenção das taxas básicas em patamar elevado por tempo que seria maior que o necessário.
A decepção com a divulgação dos balanços das ações de tecnologia, que vinham impulsionando os ganhos dos índices de renda variável desde o início do ano, também contribuiu para os temores de queda de demanda nos EUA além do esperado.
- Alta de juros no Japão
Um dia antes da divulgação dos dados de emprego nos Estados Unidos, na última quinta-feira, o Banco Central japonês surpreendeu os mercados ao elevar os juros. A taxa básica passou de 0,10% para 0,25%, o que parece ser muito baixo para padrões brasileiros, mas é significativo para aquele mercado. Vale ressaltar que o país tem um longo histórico de deflação e os juros haviam sido mantidos em patamar negativo desde 2016. A elevação na semana passada foi a segunda em 2024.
O aumento do custo de capital gerou forte desvalorização das ações listadas na bolsa japonesa, em especial os bancos. Além disso, causou o desmonte de operações de carry trade em que investidores tomavam emprestado a um custo baixíssimo no Japão para aplicar em renda fixa em países com taxas mais interessantes como os Estados Unidos ou os países emergentes.
- Escalada das tensões geopolíticas
Desde abril, a piora das tensões geopolíticas encorajam a chamada fuga para segurança. O aumento do risco e da volatilidade causada pelas tensões diplomáticas incentiva os investidores a migrar para ativos de regiões mais seguras como os Estados Unidos, fortalecendo a demanda pela moeda americana no mundo todo. Na última semana, um novo elemento escalou as tensões diplomáticas: um ataque atribuído a Israel matou um dos principais líderes do Hamas no Irã e um contra-ataque iminente é dado como certo.
Quais as consequências para a economia brasileira?
Ainda que os fortes movimentos neste início de semana tenham sido parcialmente corrigidos, há impacto sobre os ativos domésticos e a economia brasileira. O aumento das incertezas e aversão a risco devem pesar sobre ativos mais arriscados. Nesta segunda-feira, o Ibovespa que caiu mais de 1.000 logo na abertura, recuperando o prejuízo em seguida.
A fuga para segurança fortaleceu a moeda americana intensificou o movimento de desvalorização do real brasileiro, que já vinha acontecendo ao longo de junho e julho. A taxa de câmbio BRL/USD chegou a avançar além dos 5,80 no início do pregão do início de semana e depois retomou o patamar dos 5,60. A alta tem grande potencial de repasse aos preços ao consumidor final. O cenário de maior pressão sobre a inflação referenda a necessidade de cautela por parte do Copom e a manutenção dos juros em patamar contracionista. Outro elemento que deve contribuir para a perda de força do real brasileiro é a queda dos preços de commodities agrícolas, metálicas e industriais na esteira de uma desaceleração do crescimento mundial.