História de Valor #005: o fracasso do gênio Isaac Newton na bolsa de valores
Na segunda edição do História de Valor, falamos sobre como as bolsas de valores e o mercado de ações são mais antigos do que a maioria das pessoas imagina, traçando suas origens desde a Bolsa da Antuérpia e a oferta pública inicial (IPO) da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC).
Outro fato pouco conhecido pela maioria do público é que grandes personalidades históricas tiveram aventuras e desventuras no mercado de ações, como é o caso do físico, astrônomo e matemático inglês Isaac Newton, um dos cientistas mais brilhantes da história – mas que não foi tão brilhante assim como investidor.
South Sea Company
A South Sea Company era uma empresa britânica de capital aberto fundada em 1711 por Robert Harley, Conde de Oxford, e John Blunt. A companhia foi fundada para assumir uma dívida de 10 milhões de libras esterlinas contraída pela Coroa Britânica, recebendo em troca uma promessa de pagamento de juros anuais e o monopólio, entre as empresas britânicas, do comércio com as colônias espanholas na América do Sul.
Para cobrir a dívida, a empresa emitiu ações na Bolsa de Londres, e prometia lucros exorbitantes com a exploração do comércio com a América Espanhola, visando principalmente o mercado transatlântico de escravizados. Os fundadores da companhia e a Coroa estavam interessados nos ganhos que poderiam ser auferidos a partir dos tratados que seriam assinados com a Coroa Espanhola em virtude do apoio britânico na Guerra de Sucessão Espanhola, que se estendeu de 1701 a 1714.
Contudo, o Tratado de Utreque, que selou a paz e pôs um fim à guerra, foi menos favorável às pretensões inglesas do que o antecipado. Assinado por diversas potências europeias que se envolveram no conflito visando garantir seus interesses, o tratado impôs um imposto anual para os escravos importados para as colônias espanholas e permitiu que a South Sea Company enviasse apenas um navio por ano para fazer comércio nos territórios espanhóis no continente sulamericano.
A Bolha dos Mares do Sul
Um dos primeiros casos de crise no mercado de ações é o da bolha da South Sea Company de 1720, ou Bolha dos Mares do Sul, citado como um dos primeiros eventos de “exuberância irracional”, fenômeno que o economista Robert J. Shiller descreve como a base psicológica para uma bolha especulativa.
Em seus primeiros anos de existência, a companhia sequer exerceu seu direito ao comércio com as colônias espanholas, e a primeira viagem aconteceu apenas em 1717, com moderado sucesso, mas muito aquém das expectativas iniciais. Entretanto, teria início no ano seguinte uma inexplicável valorização das ações da South Sea Company, que culminaria na famosa bolha que dilapidou o patrimônio de muitos investidores britânicos da época, dentre os quais estava Isaac Newton.
A euforia teve início quando o rei George I da Inglaterra se tornou governador da companhia em 1718, aumentando a confiança dos investidores. Além disso, pessoas envolvidas com a administração da companhia passaram a encorajar amigos e conhecidos a comprar ações da empresa, de forma a inflar o valor das ações. Dessa forma, mesmo com resultados muito inferiores aos necessários para cumprir sua promessa de rentabilidade, as ações passaram por uma forte valorização.
O ponto crítico da bolha, entretanto, viria apenas em 1720. Nesse ano, o Parlamento autorizou que a South Sea Company assumisse a dívida nacional, e a empresa comprou a dívida, que somava 32 milhões de libras, por um total de 7,5 milhões de libras.
A ideia era que a companhia utilizasse o valor constantemente crescente da venda de ações para pagar os juros da dívida, ou ainda que remunerasse os detentores de títulos de dívida com ações da companhia ao invés de dinheiro, o que hoje soa absurdo, mas que pareceu engenhoso o bastante para convencer os parlamentares da época.
Com a crescente demanda pelas ações da companhia, que pagava dividendos generosos mesmo sem estar gerando lucro, as ações, que já estavam no valorizado patamar próximo de 175 libras por unidade em fevereiro de 1720, saltaram para o inacreditável valor de 1 mil libras, levando investidores ao delírio.
Isaac Newton e o estouro da bolha
Na época da bolha, Isaac Newton já era o mais renomado cientista britânico e o chefe da Casa da Moeda do Reino Unido. O gênio adquiriu um lote expressivo de ações da South Sea Company em fevereiro de 1720, ainda no início da bolha, quando o papel valia 175 libras, montante que seria o equivalente a 30 mil libras em abril de 2024, de acordo com dados da calculadora de inflação do Banco da Inglaterra (Bank of England).
Inicialmente, Newton se saiu bem, liquidando sua posição em maio ao notar uma valorização irracional dos papéis e embolsando um lucro de 100% sobre o valor investido. Contudo, Newton observou que as ações continuavam se valorizando, e notou que muitos de seus amigos e conhecidos estavam multiplicando suas fortunas com o investimento na companhia, e acabou montando uma nova posição, ainda maior, em papéis da South Sea Company.
Newton recomprou as ações em meados de 1720, a um preço de aproximadamente 700 libras, ou 120 mil libras em valores atuais, e, ao que tudo indica, o físico investiu outros recursos, anteriormente alocados em outros investimentos, depositando praticamente todas as suas economias na South Sea Company. Não demorou muito para essa decisão se provar um grande erro.
Nas primeiras semanas, as ações continuaram em alta, chegando a bater a marca de inacreditáveis 1 mil libras em agosto. Contudo, a euforia se dissipou e o mercado logo notou que os papéis estavam demasiadamente inflados. Em setembro, as ações da South Sea Company começaram a despencar de valor, chegando a 125 libras (21 mil libras, em valores atualizados) em dezembro de 1720.
Isaac Newton, que manteve sua posição, sofreu um duro golpe financeiro, e as estimativas indicam que suas perdas podem ter variado entre 12 mil libras (2 milhões de libras em valores atuais) e 20 mil libras (3,4 milhões de libras em valores atuais).
Essa história nos deixa uma importante lição: sem preparo e o suporte de especialistas, até mesmo os indivíduos mais geniais podem tomar péssimas decisões no mundo dos investimentos. Como disse o próprio Isaac Newton, “eu consigo calcular o movimento dos corpos celestiais, mas não a loucura das pessoas”.