História de Valor #006: 30 anos do Plano Real
Há 30 anos, no dia 1° de julho de 1994, uma nova moeda entrava em vigor no Brasil, pondo um fim à hiperinflação e trazendo estabilidade para a economia nacional. Trata-se, evidentemente, do real, moeda que foi incorporada ao dia a dia dos brasileiros de tal forma que chega a parecer banal, mas que representou uma revolução para um povo que estava habituado a ver os preços subirem vertiginosamente dia após dia.
Nesta edição do História de Valor, vamos falar sobre o Brasil antes, durante e depois do Plano Real, traçando uma trajetória do plano de estabilização monetária que venceu o “monstro da inflação” e mudou a vida de todos os brasileiros.
O Brasil antes do Plano Real
Nos anos 1980, o Brasil se encontrava em uma situação econômica caótica. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) passava por uma forte desaceleração, o desemprego estava alto e as contas públicas estavam fora de controle. Nesse contexto, a inflação vinha em alta, e no final da década já era o principal problema econômico do país.
Em 1993, ano anterior à implementação da nova moeda, a inflação foi de 2.477,15%:
Fonte: Ipeadata
Nesse contexto, vencer a inflação e recuperar a estabilidade monetária se tornou imprescindível para que o país tivesse qualquer tipo de perspectiva de crescimento econômico sustentável. Dessa forma, diferentes planos econômicos (Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Collor I e Collor 2) foram implementados visando a estabilidade monetária, mas todos fracassaram por serem centrados no congelamento de preços, sem atacar de fato as raízes da inflação.
Linha do tempo das moedas oficiais do Brasil
As mentes por trás do plano
Por se tratar do principal problema da época, a inflação estava no centro das preocupações dos economistas brasileiros, e debates, reflexões e estudos sobre maneiras de combater a crise eram recorrentes. Nesse cenário, dois economistas se destacaram: André Lara Resende e Pérsio Arida.
Em 1984, Lara Resende e Arida produziram o paper Larida, um plano de estabilização monetária que defendia a implementação de uma moeda virtual indexada com paridade 1 com o dólar (ou seja, uma unidade da nova moeda deveria ter o mesmo valor de um dólar americano), que viria a ser a base teórica para o muito mais complexo Plano Real.
Durante quase 10 anos, a ideia circulou entre acadêmicos e economistas, enquanto o governo fracassava implementando planos baseados em ideias ultrapassadas. Foi somente após o impeachment e renúncia de Fernando Collor de Melo, em dezembro de 1992, e a posse de seu vice, Itamar Franco, que o real começou a tomar forma.
Os três primeiros nomes selecionados pelo novo presidente para ocupar o cargo de ministro da Economia não obtiveram êxito no controle da inflação, o que levou Itamar a nomear o sociólogo e senador Fernando Henrique Cardoso, mais conhecido como FHC, para o cargo no dia 19 de maio de 1993.
Em sua equipe, além de André Lara Resende e Pérsio Arida, FHC reuniu os economistas Edmar Bacha, Gustavo Franco e Pedro Malan, nomes que posteriormente ficariam conhecidos como os “pais do real”.
Entendendo a proposta
Ao contrário dos planos que apostavam no congelamento de preços como forma de conter a alta dos preços, o Plano Real levava em consideração as raízes profundas da crise inflacionária que assolava o país. O plano teve três fases: estabilização das contas públicas, desindexação da economia e implementação de uma nova moeda capaz de conservar seu valor por mais tempo.
A primeira fase do Plano Real foi o ajuste fiscal, por meio do programa de ação imediata (PAI), visando reduzir os gastos e aumentar a arrecadação para equilibrar as contas públicas. Era necessário trazer mais equilíbrio e uma perspectiva mais positiva para a trajetória das contas públicas, de forma a evitar que a nova moeda se desvalorizasse como as anteriores.
A segunda fase foi a criação da Unidade Real de Valor (URV), uma moeda virtual atrelada ao dólar que funcionava como um indexador e tornava possível acompanhar as referências de preços dia após dia. A URV foi lançada no dia 1° de março e coexistiu com o cruzeiro real até o dia 30 de junho.
A terceira e última fase foi a implementação do real como nova moeda oficial do Brasil, com taxa de câmbio fixada pelo governo de forma que 1 real equivaleria a 1 dólar americano. Contudo, para manter o real neste patamar com relação ao dólar, era necessário manter os juros em patamares elevados, o que trouxe alguns efeitos colaterais, como o aumento do déficit externo e uma limitação da atividade econômica após o boom inicial.
O fim da hiperinflação
Após a implementação do real, a inflação caiu de 2.477,15% em 1993 para 916,46% em 1994, e finalmente retornou a patamares saudáveis em 1995, quando chegou a 22,41%. Desde então, a inflação nunca mais se aproximou desses patamares, mas ainda podemos tirar algumas lições do período de crise inflacionária e do plano que restaurou a estabilidade monetária, com destaque para a importância da responsabilidade fiscal.
A inflação nos dias de hoje
Depois de um recuo para menos de 3,0% durante a pandemia, puxada pela queda na demanda por bens e serviços, a inflação voltou ao centro da meta no final de 2020. Neste momento, a recuperação da atividade era incipiente, ajudada pelos programas de ajuda fiscal. A alta nos preços vinha de pressão de oferta, com elevação nos preços no atacado.
Em seguida, os gargalos de produção ao redor do mundo puxaram os preços para cima. Dois exemplos foram emblemáticos no período foram a falta de microcondutores, que elevou os preços de insumos para computadores e carros, e o abre e fecha de portos e fábricas na China por conta da política Zero Covid do governo, que atrasava a produção e o escoamento dos produtos. A inflação chegou a seu primeiro pico em novembro de 2021 (10,7%). Após um breve período de desaceleração, os preços ao consumidor tiveram um repique no início de 2022 com o início da Guerra da Ucrânia e o forte impacto sobre os preços de grãos e de energia (petróleo e gás natural).
A retomada sólida da atividade econômica ajudou a demanda e colocou ainda mais pressão sobre os preços. O IPCA atingiu um novo pico (11,75%) em abril de 2022. A lenta desaceleração manteve a inflação ainda muito acima da meta, ainda que o Copom estivesse iniciado o ciclo de alta de juros.
A partir de meados de 2022, a deflação teve 2 fases[1]. Na primeira, houve acomodação dos preços afetados pela guerra na Ucrânia, em especial, grãos e de energia. Além disso, o custo de importados no Brasil caíram ajudados pelo câmbio. O segundo estágio foi o mais lento com a desaceleração branda dos preços de serviços.
A atual luta contra a inflação
Em sua última reunião, o Copom indicou uma interrupção no ciclo de queda de juros com a Selic a 10,50% ao ano, uma redução de 325 pontos-base com relação ao patamar inicial de 13,75% ao ano em meados de 2023. O IPCA se acomodou em 4,0%, acima da meta de 3,0% e próximo ao ponto superior do intervalo de tolerância (4,5%).
A resistência dos preços de serviços e o aquecimento do mercado de trabalho atuam no sentido de inflar a demanda e são riscos importantes ao cenário prospectivo da inflação. A isso se somam as dúvidas em relação à credibilidade da política monetária e fiscal e a desancoragem de expectativas que geram pressão sobre a inflação. O IPCA deve ficar próximo ao centro da meta até o final de 2024.