Mercado de Arte em Mudança: Londres perde espaço para Paris

Por Graziela Martine e Patrícia Amorim de Souza | Art Homage
Nos últimos anos, o mercado de arte global tem passado por transformações consideráveis, em grande parte impulsionadas por eventos políticos e econômicos. Londres, outrora uma das capitais incontestáveis do comércio de arte, vem enfrentando desafios crescentes desde o Brexit. A saída do Reino Unido da União Europeia trouxe uma série de consequências que têm diminuído sua competitividade em relação a outras cidades europeias, em especial Paris. O aumento das barreiras fiscais e regulatórias, aliado à ascensão de novos polos artísticos no continente, está provocando uma reconfiguração do cenário de mercado, com Paris emergindo como uma forte concorrente.
O Brexit gerou inúmeras incertezas para o mercado de arte de Londres, tanto para as galerias quanto para os colecionadores. Com a saída da União Europeia, o Reino Unido passou a enfrentar novas burocracias alfandegárias e barreiras tarifárias que complicaram as transações internacionais de obras de arte. As obras que antes circulavam livremente entre Londres e outras capitais culturais da Europa agora estão sujeitas a processos alfandegários demorados, além de taxas adicionais que desestimulam tanto vendedores quanto compradores.

Com o enfraquecimento do mercado londrino, Paris rapidamente se posicionou como uma alternativa atrativa para o comércio de arte na Europa. A capital francesa, conhecida por seu rico patrimônio cultural e suas instituições artísticas renomadas, vem conquistando um espaço cada vez maior no mercado internacional de arte. Em 2022, foi lançada a Art Basel Paris, um evento que logo se firmou como um dos principais concorrentes da Frieze de Londres, atraindo compradores e galerias de todo o mundo.
Na edição de 2024 da Art Basel Paris, que terminou recentemente, a venda de maior destaque foi a obra Insile (2013), de Julie Mehretu, adquirida por USD 9,5 milhões. Essa pintura, um trabalho monocromático que mistura abstração com desenho arquitetônico, reforça o papel de Paris como um ponto de encontro de colecionadores internacionais em busca de obras contemporâneas de alto valor. Mehretu é uma das artistas mais procuradas no cenário global, e essa venda destacou a importância crescente de Paris no mercado de arte.

Além disso, outras obras de grande valor foram adquiridas durante a feira, como as tapeçarias da artista colombiana Olga de Amaral, cujas peças Lienzo 29 (2001) e Nudo 23 (plata 5) (2014) foram vendidas por USD 350.000 e USD 400.000, respectivamente. Essas vendas demonstram o interesse por artistas que integram tradições locais com abordagens contemporâneas, algo que atrai colecionadores em busca de originalidade e profundidade cultural. O sucesso de vendas dessas e de outras artistas, como Takako Yamaguchi e Marie-Claire Messouma Manlanbien, ilustra o crescente protagonismo das mulheres no mercado de arte contemporânea, algo que Paris tem explorado de forma eficaz para ampliar seu apelo.
O sucesso da Art Basel Paris não apenas consolidou o prestígio da cidade, mas também ressaltou a competitividade de suas condições fiscais. A taxa reduzida de VAT (imposto sobre valor acrescentado) para obras de arte em Paris torna as transações mais atraentes em comparação com Londres, onde as regulamentações pós-Brexit impuseram barreiras significativas às negociações.
Enquanto na Art Basel Paris se destacam vendas milionárias de artistas femininas e de talentos emergentes, como as esculturas de Pierre Allain e as peças de Bertrand Lavier, Londres tem visto uma retração significativa nas vendas de alto nível. A perda de mega transações multimilionárias, que antes eram um elemento regular dos leilões londrinos, tem sido um dos fatores mais notáveis dessa mudança.
Londres, outrora um ponto de convergência para grandes transações no mundo da arte, tem sido impactada por esses desenvolvimentos e enfrenta uma estagnação. As vendas em leilões caíram drasticamente desde 2021, com instituições como a Christie’s e a Sotheby’s registrando quedas substanciais nos lucros. A Sotheby’s, por exemplo, viu seus lucros principais caírem 88% em 2024, evidenciando o impacto que o Brexit e as mudanças econômicas globais estão causando no setor.

Além dos impactos diretos do Brexit e das regulamentações fiscais, o mercado de arte londrino enfrenta incertezas econômicas mais amplas. A inflação no Reino Unido permaneceu acima de 10% em 2023, o que reduziu o poder de compra dos consumidores e gerou um ambiente de cautela entre os colecionadores. As altas taxas de juros também desempenham um papel importante nesse contexto, tornando os investimentos em ativos de alto valor, como obras de arte, menos atrativos.
Enquanto isso, Paris segue se fortalecendo com cada nova edição da Art Basel, capturando o interesse de colecionadores globais. O crescimento contínuo da feira, o aumento das vendas de obras de alto valor e a ascensão de novos talentos demonstram o quanto a cidade tem se consolidado como um polo de arte contemporânea. Se antes Londres dominava esse espaço, a realidade atual aponta para uma redistribuição de forças no cenário europeu, com Paris ganhando terreno de forma consistente.
Londres, por outro lado, ainda tem uma infraestrutura artística sólida, mas precisa urgentemente de reformas fiscais para competir em igualdade de condições com seus concorrentes europeus. A Frieze London permanece como um dos maiores eventos do calendário global de arte, mas os ventos contrários causados pelo Brexit, a inflação alta e a incerteza econômica geral minaram seu poder no mercado. Sem ajustes significativos, Londres pode continuar a perder espaço para Paris, que se fortalece com cada nova edição da Art Basel, capturando o interesse e os investimentos de colecionadores globais.