O Resgate de Histórias Apagadas e o Renascimento de Artistas esquecidos da Arte Contemporânea Brasileira
Por Graziela Martine e Patrícia Amorim de Souza | Art Homage
O cenário artístico contemporâneo está passando por uma transformação significativa, com o ressurgimento de artistas que, por muito tempo, foram marginalizados pelas narrativas dominantes. No Brasil, o redescobrimento de criadores que representam vozes indígenas, pretas e periféricas busca corrigir injustiças históricas e trazer à tona artistas cuja contribuição foi subestimada. Um exemplo marcante é Francisco Domingos da Silva, conhecido como Chico da Silva, um artista de ascendência indígena que começou pintando murais em casas de pescadores na década de 1940. Descoberto pelo crítico suíço Jean-Pierre Chabloz, Chico rapidamente ganhou notoriedade com suas obras fantásticas e enraizadas em cosmologias amazônicas, exibidas em importantes museus no Brasil e na Europa.
Em 1966, Chico alcançou reconhecimento internacional ao participar da 33ª Bienal de Veneza, onde recebeu uma menção honrosa. Esse feito consolidou sua posição no circuito das artes, destacando seu talento singular. No entanto, esse reconhecimento, embora importante, não foi suficiente para garantir sua permanência no mercado. Após um período de visibilidade, Chico da Silva foi gradualmente esquecido, evidenciando que o sucesso em grandes eventos, como a Bienal, não é garantia de longevidade na carreira artística. Para que um artista mantenha sua relevância, é necessário um trabalho institucional contínuo, que inclua exposições regulares, publicações e visibilidade no mercado de leilões e coleções. Nos últimos anos, o mercado redescobriu Chico da Silva, e suas obras têm alcançado valores expressivos em leilões internacionais, com algumas peças vendidas por mais de $330.000 e outras, menores, sendo negociadas entre $35.000 e $60.000.
Outro exemplo de redescobrimento no Brasil é Heitor dos Prazeres, cujo legado vai além de sua relevância como músico, tendo sido valorizado também no campo das artes visuais. Embora tenha alcançado algum reconhecimento em vida, suas pinturas retratando a vida afro-brasileira caíram no esquecimento por um período. Recentemente, suas obras foram redescobertas e voltaram a ser valorizadas, com algumas peças alcançando valores superiores a R$ 300.000 em feiras e leilões.
Jaider Esbell, uma das vozes indígenas mais influentes da arte contemporânea brasileira, foi amplamente reconhecido na Bienal de São Paulo de 2021. Sua obra, embora sua carreira tenha sido curta e meteórica, trouxe discussões importantes sobre a espiritualidade indígena e sua relação com a natureza. Mesmo após sua morte precoce, Esbell deixou um legado que abriu caminho para outros artistas indígenas, demonstrando o impacto que suas vozes podem ter no cenário artístico global.
Esses exemplos de redescobrimento, como Chico da Silva e Heitor dos Prazeres, e o impacto de artistas mais recentes como Jaider Esbell, sublinham a importância de dar espaço às vozes marginalizadas que foram ignoradas por tanto tempo. Esses artistas não apenas representam culturas e identidades afrodescendentes e indígenas, mas também trazem novas perspectivas para o cenário artístico contemporâneo. A valorização de suas obras vai além da questão financeira, refletindo o reconhecimento de suas contribuições para a história da arte e fomentando debates sobre identidade, representação e diversidade cultural.
Além desses redescobrimentos individuais, o Brasil tem presenciado o retorno de obras de arte afro-brasileiras, muitas delas repatriadas após décadas em museus nos Estados Unidos e Canadá. Cerca de 750 peças, incluindo esculturas, pinturas, objetos religiosos e gravuras, estão retornando ao país e serão exibidas no Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira, em Salvador. Esse movimento de repatriação é uma oportunidade de reconectar a produção artística afro-brasileira com suas raízes, ao mesmo tempo em que promove uma maior valorização dessas obras, negligenciadas por muito tempo no mercado de arte.
Apesar do crescente interesse em artistas marginalizados e redescobertos, é fundamental garantir que esse movimento não seja apenas uma onda passageira. O mercado de arte é volátil, e muitos artistas podem ser rapidamente elevados, apenas para serem novamente esquecidos. Para evitar isso, é necessário que haja um trabalho institucional constante, que inclua exposições, publicações e visibilidade no mercado secundário de leilões e coleções. Esse esforço contínuo ajuda a garantir que o interesse por esses artistas seja sustentado, tornando-os parte integrante do cânone artístico.
Além disso, é importante lembrar que o simples fato de um artista estar sendo redescoberto ou ter sido marginalizado não significa que qualquer compra de sua obra seja uma garantia de bom investimento. O mercado de arte pode ser arriscado, é essencial uma profunda pesquisa e observação diária ou contar com a orientação de consultores e profissionais especializados que acompanham de perto as movimentações e tendências. Esse olhar especializado garante que o comprador faça uma escolha informada e evite erros, garantindo que o valor cultural e financeiro da obra seja reconhecido.
A Bienal de Veneza de 2024, sob a curadoria de Adriano Pedrosa, destacou a importância de revisitar essas narrativas esquecidas e colocar artistas marginalizados no centro das discussões. Com o Brasil momentaneamente no foco global, há uma grande oportunidade de consolidar esse movimento de resgate, garantindo que esses artistas continuem no circuito de maneira sustentável.
O ressurgimento de Chico da Silva, Heitor dos Prazeres e o impacto meteórico de Jaider Esbell, juntamente com o movimento de repatriação de obras afro-brasileiras, refletem uma revisão mais ampla das narrativas históricas na arte. Para que esse movimento se mantenha, é necessário um esforço contínuo, institucional e mercadológico, que garanta a presença permanente desses artistas no cenário cultural e econômico. O Brasil, com sua rica diversidade cultural, tem a chance de liderar esse processo, construindo um legado que valorize e integre de forma sustentável as vozes que foram apagadas ao longo da história.