É possível fechar o Banco Central da Argentina como o presidente eleito Javier Milei promete?
O novo presidente da Argentina, o libertário Javier Milei, confirmou seu plano de fechar o Banco Central e dolarizar a economia argentina visando conter a crise inflacionária que assola o país. Eleito com 55,95% dos votos no segundo turno, o economista Milei assume a presidência com a missão de controlar uma inflação que chegou a 142,7% no intervalo de 12 meses encerrado em outubro.
Mas, afinal, a dolarização pode acabar com a crise inflacionária que assola o país? É possível fechar o Banco Central da República Argentina (BCRA)? Para responder a essas perguntas, é preciso entender melhor o que significa a dolarização de uma economia e quais os seus efeitos, além de analisar um panorama da situação econômica da Argentina.
Por que Milei defende a dolarização e o fim do BCRA?
Há anos a Argentina sofre com o descontrole das contas públicas, de forma que a população perdeu a confiança no Banco Central e na capacidade do governo de assegurar a estabilidade monetária.
De maneira simplificada, ano após ano o governo argentino gasta mais do que arrecada, forçando o Banco Central, que é subordinado ao governo, a emitir moeda com o intuito de financiar os gastos públicos. Esse processo acaba potencializando a inflação, ao invés de combatê-la, e gera uma espécie de “efeito bola de neve”, fazendo com que a inflação cresça cada vez mais e mais rápido.
Para Javier Milei, a dolarização da economia argentina e o fim do Banco Central são a resposta para esse problema.
O que é e quais os efeitos da dolarização?
De forma resumida, a dolarização consiste no abandono da moeda nacional e na adoção do dólar norte-americano como moeda oficial do país. Essa mudança, por si só, já torna desnecessária a principal atribuição do banco central nacional, que é a condução da política monetária, uma vez que a moeda nacional deixa de existir.
Equador e El Salvador são países que adotaram a dolarização no início dos anos 2000, e o Panamá também aceita o dólar como uma de suas moedas oficiais, junto com o balboa, que tem paridade fixa com o dólar. Contudo, o processo de dolarização não é nada simples, e há uma série de prós e contras que precisam ser levados em consideração.
A principal vantagem da adoção do dólar como moeda oficial é o fim da desvalorização cambial, o que tende a controlar a inflação e permitir que pessoas e empresas realizem planejamentos de médio e longo prazo sem temer uma perda acentuada do poder de compra de sua moeda.
Por outro lado, quando um país abdica da sua moeda nacional e adota uma moeda estrangeira, ele perde o controle sobre sua política monetária, perdendo a possibilidade de implementar uma política mais expansionista ou mais contracionista a depender dos objetivos a serem alcançados. Em outras palavras, em um cenário de forte recessão econômica, o governo fica de mãos atadas, sem poder intervir via política monetária para fomentar a atividade.
É possível colocar em prática o plano de Milei?
Para viabilizar as duas principais propostas de Milei, o governo argentino precisará promover um robusto corte de gastos, de forma a zerar o déficit fiscal atual. Além disso, é preciso estabelecer mecanismos capazes de assegurar o cumprimento de rígidas metas fiscais a partir da dolarização da economia e do fim do Banco Central.
Isso porque a partir do momento em que a Argentina abdicar do peso e o Banco Central encerrar suas atividades, o país não mais poderá imprimir papel moeda para cobrir os gastos do governo, e deverá alinhar seus gastos à sua capacidade de arrecadação. Contudo, equilibrar as contas públicas argentinas é um desafio imenso, tanto do ponto de vista fiscal quanto do ponto de vista político.
O país encerrou o 2° trimestre deste ano com uma dívida externa de US$ 276,2 bilhões, e as estimativas mais conservadoras sinalizam um déficit primário equivalente a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) argentino em 2023.
Além disso, o partido de Milei (La Lidertad Avanza) conta com 39 dos 257 deputados e apenas sete dos 72 senadores na nova composição do Congresso, o que faz com que o novo presidente precise solidificar sua aliança com o ex-presidente Mauricio Macri e com Patricia Bullrich, terceira colocada nas eleições deste ano, principais nomes da coligação Juntos Por El Câmbio, que detém 92 cadeiras na Câmara dos Deputados e 24 assentos no Senado.
De qualquer forma, Milei enfrentará uma forte oposição no Congresso, já que a coalisão peronista Unión Por La Patria, do candidato derrotado Sérgio Massa, passará a deter 105 cadeiras na Câmara e 33 no Senado, o que deve dificultar a aprovação de medidas como privatizações e cortes de gastos, imprescindíveis para o projeto do presidente eleito.